Entrevista com Michaela Schmaedel

Lorraine Ramos Assis
Revista Caliban issn_0000311
8 min readJan 2, 2023

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Conversei um pouco com a escritora sobre suas últimas obras, seu trabalho em podcasts e presença em rodas de leituras/debates/performances.

Aparições em eventos tais quais “Desvio para o vermelho”, na Livraria Quixote; “Sob tanta literatura — 10 anos sem (com) Manuel António Pina, na Livraria Travessa; “A mil beijos de profundidade”, no Espaço Garganta, em homenagem ao cantor Leonardo Cohen, além de uma entrevista feita pelo professor Marcelo Batalha, em “Conversa com o escritor”. A presença da poeta e editora nessas manifestações poéticas foi realizada de maneira assídua em 2022.

A totalidade de suas obras apresenta poemas curtos como uma das características mais notáveis, normalmente sendo atribuídas a essa composição textual noções de cunho teórico sobre fluidez e entendimento mais facilmente captado pelo leitor. Por que essa
preferência por essa forma de poema?

Não gosto muito de tomar o tempo do leitor, fico constrangida. Esta
talvez seja a explicação principal da minha preferência pelos poemas curtos.

Do mesmo modo que não gosto de ler prosa ou poesia quando há
excesso demais no texto.

Mas também acho que minha predileção por
poemas concisos vem do jornalismo, do fato de eu ter me habituado a cortar sempre os textos para caberem na página diagramada.

Então, isso virou um hábito para mim, cortar, cortar.

E a última coisa que poderia
pensar para responder a esta pergunta, é que acho que um poema curto, às vezes, é mais aberto e, portanto, mais forte. Você não dá tudo ali de
bandeja para o leitor, deixa espaços vazios, abismos, onde ele terá que trilhar sozinho. Joseph Brodsky, poeta russo, dizia que a poesia é muito mais vantajosa do que a prosa, justamente porque ela pode nos dar “um salto no pensamento”, sem que você ter que “ler todo aquele maldito romance”.

Brincadeiras dele à parte, acho que um poema curto, sem
excessos, fica mais forte e tem mais impacto do que um em que há muitas explicações, que sobram elementos. Mas é claro que cada poema deve ter seu tamanho exato, gosto também de muitos poemas longos, se forem bons.

Tito Leite, no posfácio da obra “Quênia”, infere sobre a grandeza do verso curto residir no universo de significados da palavra referente a cada poesia, além de citar a composição textual do haikai. O escritor
Paulo Franchetti se equipa de perspectivas sobre esse modelo de
estrofe oriental, enfatizando na obra “Haikai: antologia e história
(Editora da Unicamp) que o haikai é “Ideal de coloquialidade, de registro direto da sensação e do sentimento e como forma adequada ao tempo
rápido do presente”.

Pode-se afirmar esses elementos descritos por Paulo em suas obras “Coração cansado (Editora Penalux/2020) “Quênia – poemas de viagem (Cas”a edições/2021)” e “Paisagens inclinadas
(Editora 7letras/2022)?

Gosto muito de haikai, é um tipo de poesia que me interessa.

Mas não acho que meus poemas possam ser classificados neste gênero. O haikai
descreve quase sempre uma cena, é um poema que se apoia totalmente da Fanopeia (conceito de Ezra Pound em O abc da Literatura), onde a imagem poética é o elemento único e mais importante. Faço isso às vezes nos meus poemas, dar um peso maior aos elementos imagéticos, mas
acho que misturo a isso também reflexões, humor, ironia, além de não seguir a forma fixa de três versos do haikai.

Em comum, acho que tenho o tema dos meus poemas, que muitas vezes também giram em torno da natureza.

A morte é uma presença no livro “Coração cansado”, mais precisamente no signo da perda, como bem aponta o poeta Tarso de Melo na orelha.
Como você se depara com o fenômeno da morte? Por que a escolha em
trabalhar nesse tema?

Não foi bem uma escolha consciente. Comecei a escrever o livro após a morte do meu pai, então o tema estava muito presente na minha vida.
Depois, nos meus outros dois outros livros, os leitores começaram a apontar novamente a perda como um tema recorrente. Só então que percebi que realmente escrevo muito sobre isso. Acho que meus poemas
falam muito sobre as impossibilidades, as coisas que perdemos quando
precisamos optar por outras.

Isso sempre me causou uma melancolia.
Então, a morte, nos meus livros, nem sempre é algo concreto, funciona mais como um simbolismo das perdas que temos no dia a dia, das coisas
que precisamos abdicar.

Além de escritora, você também exerce a função de editora no podcast “Poesia pros ouvidos”, programa em que os próprios poetas leem seus próprios poemas. De que modo são relacionados esses dois âmbitos em seu processo no interior do campo literário?

O podcast Poesia pros ouvidos foi criado pelo meu amigo e poeta Luiz Rodrigo Vianna. Depois de um tempo de trabalho, ele me procurou dizendo que não teria mais condições de continuar a produzir o podcast.
Então, entrei como editora e continuei o trabalho. É uma alegria muito grande fazer isso, porque me deixa em contato com os poetas e também porque eu acho muito importante divulgar a poesia dos outros por aí. Fiz
uma parceria com o instituto A Capivara, que publica com a gente a cada quinze dias, e tenho muitos planos para o podcast em 2023, um deles é fazer uma versão ao vivo para comemorar seus três anos de existência e mais de 250 gravações.

Recentemente você inseriu-se em eventos presenciais, a exemplo de
“Escrita na cena”, no Cemitério dos automóveis; “Leonard Cohen — a mil beijos de profundida:, no Espaço garganta; “Leonard Cohen — Dito e lido, no Centro da Terra e no Sesc Pinheiros, “Desvio para o vermelho”, sarau em Belo Horizonte; “Sob tanta literatura”, evento que homenageou
Manuel António Pina; “Um fogo incessante”, homenagem a Alejandra Pizarnik, e o próprio lançamento de seu último livro, Paisagens inclinadas. Como foi ter novamente esse envolvimento com demais escritores e o público? Como se sente ao participar de leituras coletivas?

Ah, foi uma maravilha! Depois da pandemia, do governo assassino que tivemos, poder encontrar as pessoas de novo, ler poemas, discutir poesia,
foi quase como um milagre. Como disse o poeta Marcelo Ariel: “ler
poemas publicamente neste momento histórico é como regar flores que nasceram no aço”. Gosto muito de organizar eventos de poesia, divulgar outros poetas, encontrar os amigos para ler junto, isso me dá tanto
prazer quanto escrever.

O urbano aparece nas suas três obras diante de uma perspectiva não somente da observância minuciosa dos objetos transcorridos em cada
estrofe, em cada ambiente, mas também dotando o eu lírico como um observador, mais precisamente um caminhante. Diante disso, como é
seu dia a dia na operação da inspiração cotidiana?

Acho que o poeta é sempre aquele que observa o mundo de forma mais intensa. Como se tentasse ter de novo aquele olhar inaugural, espantoso, sobre alguma coisa. Isso é algo natural, acredito, para quem escreve poesia. Então, vivo assim neste estado de observação poética quase que o tempo todo, seja estando na cidade ou no campo. Mesmo tendo estes
dois temas em meus poemas — a natureza e a vida urbana -, acho que quando estou nas montanhas, no campo ou perto do mar, este meu olhar se torna mais forte, consigo ver mais poesia fora da cidade do que dentro
dela.

Além dos versos curtos, a morte, o urbano, há também o objeto-corpo, corpo-objeto, ou seja, a sinestesia decorrente desse labor corporal.
Adriane Garcia, na orelha de seu novo livro, “Paisagens inclinadas”,
discorre um pouco sobre essa atividade dos movimentos sensoriais.

De que forma o corpo é importante no seu processo criativo?

O corpo é onde tudo se passa, onde os afetos acontecem. A tristeza, o
espanto, tudo o que nos acontece está no corpo, é o que nos faz viver e escrever. Quando a gente vê uma cena, um bicho, os olhos é que veem, as afecções do mundo acontecem sempre no corpo. Como diz Adriane Garcia na orelha do livro, “o corpo é o tradutor do mundo — de dentro
para fora e de fora para dentro”.

A animalidade, expressa em poemas tais quais “Ringue” (Quênia); “Patagônia (II)” (Coração Cansado); e “Neste dia” (Paisagens inclinadas)
concorrem a um panorama também de sua própria voz poética. Fale um
pouco sobre isso.

Sim, a animalidade aparece nos livros como parte do que somos. Gosto de pensar no ser humano integrado à natureza, como um animal que faz parte dela. Neste aspecto, como qualquer bicho, somos sempre fuga e enfrentamento, todo dia temos que recomeçar a luta pela vida.

O que nos diferencia, talvez, seja a consciência de nossa solidão, de nossa morte. Como já escreveu Novalis:

“Estamos sós com tudo aquilo que
amamos”.

Em seu primeiro livro há várias dedicatórias, a exemplo dos nomes Bartolomeu Campos de Queirós; Yasmin Nigri e Ismar Tirelli Neto.

A escritora e pesquisadora Luciana di Leone em “Poesia e escolhas afetivas (Editora Rocco)” relata sobre os vínculos entre a poesia e o leitor e sua consequente entrega, produzindo afeto entre os dois entes.
Discorra um pouco sobre a escolha das dedicatórias em “Coração cansado”.

As epígrafes e as dedicatórias mostram de onde partiu o poema. A epígrafe de uma maneira mais óbvia, a dedicatória como algo mais íntimo. Normalmente, quando faço algum poema numa oficina de escrita, como estes para Yasmin Nigri e Ismar Tirelli Neto, gosto de marcar isso e
dedicar a quem me possibilitou o poema.

No caso de Bartolomeu Campos
de Queirós, a dedicatória vem de um trecho do livro Vermelho amargo, que acho lindíssimo, e que ele cita e repete a beleza da palavra “aturdido”. Talvez isso seja também uma mania que carrego do jornalismo, de contextualizar, seja com uma epígrafe que tenha gerado o poema, seja com uma dedicatória.

Por último, quais seriam as maiores diferenças entre suas obras?
Difícil dizer, porque não tenho o distanciamento necessário. Acho que os três livros percorrem um mesmo caminho, com temas que se parecem: impossibilidades, solidão, o homem relacionado à natureza. E também na forma, com poemas concisos, que carregam uma certa melancolia e uma ironia ao olhar a vida. A poeta Wislawa Szymborska já ia estremecer com estas respostas, diria que o poeta tem que guardar um tanto da vida pessoal e dos argumentos para a própria poesia que escreve. Concordo com ela, mas, de todo jeito, também é interessante parar e pensar um pouco sobre o que fazemos.

No fim das contas, os poemas precisam se sustentar, se manter em pé, independentemente do que nos leva a escrever. Precisam falar por si só.

Michaela Schmaedel nasceu e mora em São Paulo, é editora de cultura e poeta. Cursou o CLIPE (Curso Livre de Preparação de Escritores), na Casa das Rosas, além de oficinas de escrita com diversos poetas brasileiros.

É autora do livro Coração Cansado (Penalux, 2020), Quênia — poemas de viagem (Cas’a edições, 2021) e Paisagens inclinadas (editora 7letras, 2022).

Está na antologia As mulheres poetas na literatura brasileira (Arribaçã, 2021) e é editora do podcast Poesia pros Ouvidos.

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Escritora, crítica literária e editora. 26 anos. Colaboradora: São Paulo Review e Revista Caliban.